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Como voar até Marte em uma espaçonave feita por você mesmo

O primeiro filme de Tom Sachs e Van Neistat, "A Space Program", estreia em Nova York essa semana e vai te ensinar como cagar no espaço.

Tenente Samantha Ratanarat colhe ópio de latex no Bio Lab em Marte. Foto: Josh White. Imagens cortesia do artista

A missão de enviar a primeira mulher a Marte usando material encontrado em lojas de utensílios para o lar não parece, a princípio, fadada ao sucesso. Mas o mestre do “faça você mesmo” e da bricolagem, Tom Sachs, em parceria com uma dedicada equipe de estúdio e Van Neislat, seu colaborador de longa data, conseguiram essa façanha em uma demonstração (que Sachs enfatiza que “não é uma performance”) chamada Space Program 2.0: MARS na Park Avenue Armory em 2012. Nesta semana, a demonstração-que-não-é-performance resurge sob a forma de filme, A Space Program, exibido para o público pela primeira vez no mais novo cinema de arte de Nova York, o Metrograph.

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Como uma visita e um velho amigo, A Space Program parecerá imediatamente familiar a quem já tenha visto algum dos filmes de Sachs em colaboração com Neistat, como 10 Bullets ou How to Sweep. Sachs é conhecido por trazer a estética das refilmagens com baixo orçamento e referências sinceras a cultura pop às galerias de arte, e nos últimos 10 anos, também criou com Neistat um gênero de vídeos educativos sobre seu processo criativo, sendo A Space Program o maior e mais ousado dentre eles.

A ação é centrada no espaço da Park Avenue Armory, onde os rituais de preparação para viagens espaciais são reproduzidos em madeira compensada, aço soldado, papel machê, miniaturas e ilusões teatrais. A câmera de Neistat transita entre esta cena e os momentos no estúdio de Sachs que possibilitaram todo o acontecimento. Esses momentos são narrados por Sachs ou um assistente em um perfeito tom monocórdico, com a entonação que poderia-se esperar de um vídeo tutorial sobre como contar engrenagens em uma fábrica de relógios.

Sachs e Neistat chamam seu estilo de “Filme Industrial”, devido a sua similaridade com os vídeos tutoriais de onde tomam emprestado seu formato. “As empresas têm esses filmes que são usados para estimular seus funcionários e mostrar-lhes que estão fazendo algo significativo. Significativo o suficiente para fazerem um filme sobre o assunto”, Neistat explica ao The Creators Project.

Neistat e Sachs ironizam o apelo desses vídeos e os tornam um aspecto da obra. “Todos os filmes representam os aspectos das esculturas que existem por um momento”, conta Sachs. “A escultura é um objeto estático, mas tem um senso de utilidade, ela pode ser usada para algo. Um martelo é apenas uma escultura até você segurá-lo.”

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De modo similar, Space Program 2.0: MARS é apenas uma produção teatral — apesar de elaborada e significativa — até o filme de Neistat contextualizar a ação sobre o palco com os processos criativos que a viabilizaram. Ao invés de permitir que o público forme suas próprias conclusões sobre a obra, o filme força a perspectiva do espectador a se voltar para os próprios artistas. Segundo Sachs, isso faz de A Space Program uma peça de propaganda. “A propaganda não é nada além de arte a serviço da política, e sim, nós temos uma agenda política”, diz. “Falamos sobre a transparência e a manufatura.”

Em diversos momentos, A Space Program parece muito distante de qualquer propaganda já vista. Em uma cena, as protagonistas se encontram em uma discussão que só é resolvida após uma explicação com feedback hesitante. Em outra, há uma demonstração elaborada de como astronautas defecam no espaço, com uma pistola de calafetagem modificada, fezes falsas e tesouras de jardim.

Tenente Samantha Ratanarat carrega amostras de solo no LEM após completar missão extraveicular. Foto: Josh White

“Quando se tem a confiança do público de que tudo é fato, o subtexto do que se diz pode ser muito subversivo, e poder consertar e manipular suas próprias coisas é um pouco subversivo”, diz Neistat. “É subversivo no sentido de que isso não faz parte do ambiente cultural dominante. Mas não há nada subversivo de fato, exceto a subversão da dependência nos outros.”

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A Space Program é a história de um grupo de funcionários do comércio que constroem tudo o que precisam para encenar uma chegada a Marte emocionalmente verossímil — se não esteticamente convincente — com suas próprias mãos. É uma obra teatral, no sentido de que é necessário suspender a descrença para fruir da narrativa, e a confiança mútua necessária para essa suspensão da descrença é divertida. Um dos momentos mais intensos do filme é quando uma das personagens pousa sua nave utilizando um simulador de voo Atari. Sei que e-sports são comuns hoje em dia, mas nunca havia sentido esse tipo de tensão ao assistir alguém jogando videogame.

A Space Program ficará em cartaz no Metrograph de 18 a 24 de março. Caso ainda não tenha decidido comprar suas entradas, talvez as próprias instruções de Sachs possam convencer você.

Tenente Samantha Ratanarat e Comandante Mary Eannarino realizam a primeira cerimônia do chá em Marte. Foto: Phoebe D’Heurle.

1. Este filme prova que você não precisa de estudo para entender — ou fazer — arte.

2. Este filme é sobre uma missão espacial feita totalmente a mão.

3. Este filme NÃO É UM DOCUMENTÁRIO. É um filme INDUSTRIAL, como os vídeos de segurança que faziam você assistir na escola para não acabar cortando o dedo fora. Alguns dizem que é uma comédia.

4. Este filme NÃO É UMA PERFORMANCE feita por atores. Dizemos “demonstração”, em vez de “performance”. É uma demonstração de dispositivos simples, mas sofisticados, operados por membros do estúdio cuidadosamente treinados para enviar duas astronautas para Marte.

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5. Após meticuloso processo de habilitação, cada membro da equipe da missão espacial foi submetido a cansativa doutrinação de 18 meses.

6. Esse filme é estrelado pelos atraentes membros da equipe do estúdio que construíram a missão espacial.

7. A equipe do estúdio é um grupo de elite do “faça você mesmo” — artistas mestres na bricolagem. Bricolagem: criação ou reparo com o uso de recursos limitados disponíveis.

8. Não vamos a Marte para explorar os recursos de um novo planeta, mas para entender melhor nossos próprios recursos aqui na Terra.

9. As esculturas de nossa missão espacial são objetos funcionais. Fizemos esse filme para mostrar os aspectos das esculturas que têm partes móveis, e como as esculturas funcionam em nossos próprios rituais caseiros, celebrando a ciência, a fé, o trabalho árduo e a liberdade.

10. Este filme é uma carta de amor à era análoga.

11. Este filme mostra como astronautas defecam no espaço.

12. Se você acredita em Deus, você precisa ver este filme.

Sobras de “A Space Program” no Tom Sachs Studio. Foto do autor

Compre ingressos para A Space Program no Metrograph aqui. Saiba mais sobre o Tom Sachs Studio e Van Neista em suas páginas. Os artefatos de A Space Program serão expostos no Noguchi Museum como parte da exposição Tom Sachs: Tea Ceremony, que será aberta dia 23 de março de 2016.

Tradução: Flavio Taam