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Um Artista Está Transformando "Relatividade", de MC Escher, em Video Game

O videogame de Willy Chyr, "Relatividade, explora como você se sentiria se tivesse que viver em um dos mundos de Escher.

Imagens cortesia do artista.

As distorcidas perspectivas de MC Escherjá invadiram praticamente todas as camadas da cultura pop, sendo citadas em programas de televisão como Os Simpsons, em inúmeras instalações imersivas, clipes, e até mesmo na arte de capa do disco Funhouse, do Kid 'n Play. O artista, designer de jogos e ex-artista de circo Willy Chyr, que é formado em física e economia, se junta ao panteão dos criadores inspirados pela realidade entorta-mentes de Escher, com um projeto em andamento chamado Relativity.

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Batizado com o nome do desenho de Escher, Relativity é um puzzle game de mundo aberto que envolve a manipulação da gravidade. Os jogadores têm de navegar por uma série de salas intricadamente sinuosas, deslocando a força da gravidade e abrindo portas trancadas com blocos codificados em cores. O mundo emula o minimalismo em preto e branco da obra de Escher, e o vívido design moderno que preenche as paredes, janelas e imensas torres avistadas à distância inspira um desejo de explorar.

Chyr criou o design do jogo tendo em mente o objetivo de estimular esse desejo de sair numa jornada: "lembro de jogar Skyrim pela primeira vez, e que sensação incrível era observar uma montanha à distância e estar lá pouco tempo depois", ele contou ao Creators Project. "Gostaria que os jogadores tivessem uma experiência semelhante ao jogar o Relativity."

Os dois anos que Chyr dedicou ao desenvolvimento dessa experiência não foram fáceis. Ele já disponibilizou o jogo para ser testado por gamers em mais de dez convenções e focus groups diferentes, e sempre aprende alguma coisa nova. "Até o momento, calculo que mais de mil pessoas já tenham testado o jogo, e os jogadores até hoje me surpreendem", disse ele. Apesar dessas dificuldades e tribulações, a versão atual do jogo está chegando perto da definitiva, e a atenção de Chyr aos detalhes fica evidente em cada frame.

Conversamos com Chyr sobre MC Escher, a experiência de projetar seu primeiro jogo, e os desafio de fazer um jogo de puzzle como o Relativity.

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The Creators Project: O que te fascina no Escher?

Willy Chyr: A coisa que mais adoro nas obras de Escher é como elas reimaginam a geometria e o espaço.

Ele pega muitos itens do cotidiano, como escadarias e cachoeiras, e os transforma em algo novo e bizarro.

Ao mesmo tempo, muitas obras dele são representações visuais de conceitos abstratos, e há uma forte ligação com a matemática em sua obra. Isso me atrai muito, especialmente porque na faculdade me formei em física.

Como que as ideias de Escher se aplicam à física de Relativity?

Relativityfoi inspirado na famosa gravura de Escher desse nome, que mostra pessoas caminhando dentro de três fontes diferentes de gravidade, tudo dentro do mesmo mundo. O que é mais interessante na gravura é como os mesmos objetos são utilizados de maneiras diferentes pelas pessoas nos diferentes poços gravitacionais. Por exemplo, na gravura, você pode ver pessoas caminhando tanto na parte "de cima" quanto na parte "de baixo" da mesma escadaria.

A mecânica básica do game permite aos jogadores caminhar sobre qualquer superfície, de modo que qualquer parede ou teto podem se transformar em piso e vice-versa. Assim como na gravura, há múltiplos campos de gravidade ortogonais, mas em vez de três, são seis.

Não há uma direção objetiva "para cima" no jogo. O fundamento de muitos dos puzzles é o desafio de aprender a olhar para o ambiente a partir de diferentes perspectivas, de modo que aquilo que pode ser uma escadaria em um poço gravitacional é, na verdade, uma estante em outro.

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Porém, esse é apenas o ponto de partida, o método básico dos jogadores circularem pelo mundo. A partir daí, o jogo se amplia, explorando outros temas abordados pelos desenhos de Escher, como infinito e recursividade.

Como você chegou à decisão de fazer das diferentes gravidades o elemento variável?

Na primeira versão do jogo havia um só campo gravitacional mesmo, e em vez de o jogador girar e caminhar paredes e tetos acima, era o ambiente que girava.

Contudo, essa mecânica tinha vários problemas. O primeiro foi que ela tornava impossível que eu colocasse objetos em um nível de modo que fizessem sentido, porque assim que o jogador fizesse o mundo girar, em tese tudo cairia e se amontoaria no canto de baixo, numa grande zona.

O segundo problema foi que a maioria dos puzzles era baseada na execução e não no raciocínio. Isso para mim ficou muito evidente quando fiz a primeira sessão de testes, com quatro meses de desenvolvimento. Todos os jogadores entravam em uma sala com um puzzle e imediatamente percebiam o que tinham de fazer para resolvê-lo, e então encontravam dificuldades na hora de pôr em prática os passos necessários. Bem rápido, percebi que não era esse o tipo de jogo que eu queria fazer.

Depois dessa experiência, decidi redesenhar o jogo a partir do zero. Quando brinquei com a ideia de fazer com que o jogador modificasse as superfícies, e portanto lidasse com diferentes gravidades em ação, os puzzles ficaram muito mais interessantes, e mais conformes ao meu objetivo de fazer com que o jogador olhasse para as coisas de diferentes perspectivas.

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Quais são as etapas do processo de criar o mapa e o design de um nível?

Não começo por fazer o mapa ou o design dos níveis no papel. Em vez disso, parto de uma ideia aproximada da estrutura do nível, e de quais puzzles quero incluir, e daí simplesmente começo a construí-lo na engine.

É muito difícil imaginar como vai ser o aspecto de um nível sem antes poder circular dentro dele, porque preciso ter certeza de que a coisa vai funcionar em todos os seis campos gravitacionais. De certo modo, é meio como construir seis mundos em um.

Depois que um esboço rudimentar do nível é construído, começo então a testar a jogabilidade regularmente, e faço mudanças com base nas observações. Por exemplo, percebo que os jogadores ficam girando em falso dentro de algum corredor específico, então acrescento uma janela numa das extremidades, para tornar mais fácil a navegação. Ou vejo que muitos jogadores estão tendo dificuldades com um puzzle específico, então posso encaixá-lo em uma parte mais avançada do jogo, de modo que se chegue a ele com mais experiência acumulada. Eu diria que cerca de 90% do processo de desenhar os níveis é esse ciclo de observação e aperfeiçoamento.

O primeiro nível, que os jogadores em média levam uma hora para completar, até agora foi redesenhado mais de quarenta vezes, e ainda estou fazendo uns ajustes.

O visual da engine de design de jogos de Chyr, Unity 3D.

Por que você decidiu estruturar o jogo num esquema de mundo aberto?

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Quero que ele seja o mais imersivo possível. Numa versão anterior, havia portais que levavam a diferentes salas com puzzles. Quando você adentrava num dos portais, a tela descoloria até ficar branca, e depois ia revelando a nova sala. Uma vez dentro da sala com o puzzle, não era possível sair antes que ele fosse resolvido. E quando o jogador resolvia um puzzle, entrava em um cubo flutuante, a tela embranquecia, e depois voltava ao entroncamento anterior.

Isso foi implementado basicamente porque eu já tinha visto em outros jogos, e simplesmente não era uma solução de design interessante. Quebrava a imersão, e era um lugar-comum dos video games utilizado vezes demais. E também significava que os puzzles não eram tão interessantes assim, porque eram embalados e empacotados em níveis certinhos e estanques, em vez de haver diferentes camadas que se mesclam umas às outras.

Meu objetivo é que o mundo pareça um mundo grande e continuo que você está explorando, e fazendo conexões entre puzzles de diferentes áreas. Também é importante para mim que o jogador possa ir a qualquer local dentro do jogo que consiga enxergar. Lembro de jogar Skyrim pela primeira vez, e que sensação incrível era observar uma montanha à distância e estar lá pouco tempo depois. Gostaria que os jogadores tivessem uma experiência semelhante ao jogar Relativity.

O que te fascina nos jogos de puzzle?

Como designer de games, fui muito influenciado por como Jonathan Blowaborda a questão do design, especificamente sua filosofia dos jogos como um método de descobrir a verdade. Aqui está uma palestra que ele deu sobre o assunto na GDC Europe, em 2011.

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Para mim, os melhores puzzles são aqueles que lançam uma nova luz sobre a mecânica, fazendo com que você pare e pense de um jeito totalmente diferente sobre as regras. Muitos desses puzzles parecem impossíveis de início, mas quando se chega à solução, parecem de uma obviedade total.

O processo de raciocínio que é exigido por um bom puzzle também é muito parecido ao que é aplicado na solução de problemas científicos, e no processo de provar teoremas matemáticos – descobrir donde se está partindo, as ferramentas disponíveis, e então seguir o problema com um passo a passo lógico para chegar a uma solução.

Você passou por muitos estilos visuais diferentes. Como decidiu qual seria o visual definitivo do jogo?

O visual do jogo em seu estado atual ainda não é o definitivo. Sempre digo às pessoas que vai ser parecido, mas melhor, já que estou constantemente fazendo modificações.

A maioria dos elementos visuais do jogo foi acrescentada com base em razões puramente funcionais. Por exemplo, o motivo de apenas o chão ser colorido é mostrar aos jogadores que esta superfície é "para baixo", e ajudá-los a se orientar. Originalmente, as superfícies eram todas da mesma cor, independentemente da orientação do jogador, mas daí percebi que os jogadores estavam olhando para cima quando tentavam andar para a frente.

Colorir o chão de diferentes cores, com base na orientação, tem um objetivo bastante funcional, mas também dá ao jogo um visual bem específico. Da mesma forma, o estilo geral minimalista foi implementado para que os jogadores se focassem nos elementos necessários para a solução dos puzzles, e não fossem distraídos por elementos decorativos desimportantes.

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Hoje, grande parte dos elementos funcionais já foram aplicados, e estou começando a tomar decisões mais voltadas para a estética e a atmosfera. A arquitetura é um tema muito importante no jogo, então estou tentando fazer com que o estilo da arte cause a impressão de planta desenhada à mão.

Qual foi o aspecto mais desafiador na criação do Relativity?

Determinar o ritmo dos puzzles e colocar as sinalizações visuais foram as partes mais desafiadoras de desenhar o Relativity.

O jogo tem uma física bem incomum, e fiz questão de não explicar claramente coisa alguma para o jogador.

Por isso, preciso me assegurar de que os jogadores vão construir o tipo correto de modelo mental de como o mundo funciona, com base apenas no ambiente e na ordem na qual aprendem diferentes conceitos. A única maneira confiável que encontrei de resolver isso foi assistir a muita gente jogando o jogo, e aperfeiçoar constantemente.

Igualmente, como você pode mudar sua orientação e caminhar sobre qualquer superfície do jogo, criar uma sensação de hierarquia visual no nível é muito difícil. Por exemplo, na maioria dos jogos, é possível ter um castelo ou montanha que se eleve acima de todas as outras coisas, então a partir de diversos pontos o jogador consegue sempre se ver em relação àquele marco. Porém, no Relativity, "altura" não tem exatamente o mesmo significado. Algo pode estar acima de você em um campo gravitacional, mas em outro, passa a estar abaixo.

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Novamente, como não estou me baseando em personagens ou em mapas dentro do jogo para guiar o jogador, tive de descobrir meus próprios métodos para levar o jogador a novas áreas, usando apenas o ambiente. A única maneira de verificar se esses métodos funcionam é através dos testes e da observação.

Pelo que entendo, vai haver um elemento narrativo no jogo. Pode me contar um pouco sobre a história?

Há um arco que se prolonga por todo o jogo, mas é mais concentrado nos jogadores descobrindo que propósito têm naquele mundo, através da arquitetura e da mecânica do jogo. Nesse momento, é tudo o que posso dizer sobre o assunto!

A obra de MC Escher já foi citada e remixada inumeráveis vezes na cultura popular, desde Os Simpsons até Matrix, incluindo outros video games escherianos, como Monument Valley. Como você responde a esses outros remixes de Escher no Relativity?

Uma obra que teve grande influência sobre o Relativity foi Inception, especificamente a cena em que Cobb (Leonardo DiCaprio) e Ariadne (Ellen Page) estão caminhando por Paris no mundo do sonho, e Cobb a está ensinando como manipular os sonhos. Ariadne então pergunta: "o que acontece quando você começa a bagunçar a física do negócio?", e então dobra a cidade ao meio. Um pouco depois, você vê Cobb e Ariadne subindo uma rua que está a 90 graus em relação ao plano original.

Quando vi essa cena pela primeira vez, imediatamente mil perguntas surgiram na minha cabeça. E se você pegasse um objeto do mundo que está no teto? Se soltar o objeto, ele vai cair de volta para o teto, pois é para ele que aponta a sua respectiva força gravitacional? E se for assim, seria possível colocar um objeto da sua gravidade em cima daquele objeto do teto, e fazer com que eles se equilibrem em pleno ar? Eu ficava imaginando todas essas possibilidades malucas. Infelizmente, o Inceptionnão chegou a mergulhar de verdade nesse aspecto daquele mundo. Mas é aí que entra o Relativity. Quero colocar os jogadores no mundo mostrado naquela cena, deixar que joguem com objetos de diferentes gravidades, e ver o que acontece.

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Você diz, na seção "quem sou" do seu site, que é "um artista trabalhando na intercessão entre a arte e a ciência". Como que o Relativity se encaixa nesse domínio?

Antes do Relativity, trabalhei como artista de instalações por cerca de quatro anos. A maior parte da minha obra naquela época era baseada em pegar diferentes conceitos científicos, como o de emergência, e incorporá-los ao processo de criação. As instalações que resultavam disso brincavam com o espaço, decompondo-o de maneiras novas, das quais as pessoas pudessem ter uma experiência, e ofereciam um vislumbre de um outro mundo.

Vejo o Relativitycomo uma extensão do meu trabalho com as instalações. É uma obra de "física contrafactual", imaginando como seria o mundo se as leis fundamentais da física fossem outras. Como acontecia com as instalações, é uma exploração do espaço utilizando diferentes conceitos científicos. Contudo, em vez de só mostrar um vislumbre ao público, oferece todo um mundo virtual no qual podem entrar e dele ter uma experiência.

Você está há dois anos trabalhando no jogo, e já recebeu feedback de centenas de pessoas que o testaram em eventos de jogos indie durante esse período. Qual foi a coisa mais importante que você aprendeu como designer de jogos de primeira viagem?

Se eu tivesse que escolher uma só coisa, seria a importância de testar o jogo. Existe uma quantidade tremenda de variações nas maneiras de abordar um jogo, e o único meio de saber qual será a reação dos outros é testar e observar eles jogando. Sendo a pessoa que cria os puzzles, na verdade não tenho como "resolvê-los" da mesma maneira que alguém que está jogandovai resolvê-los. Algo que parece incrivelmente óbvio para mim pode acabar sendo incrivelmente difícil para os outros.

A única maneira de descobrir o que funciona e o que não funciona é testando. Só nos últimos nove meses, mostrei o jogo em dez festivais e convenções diferentes. Isso além de diversas reuniões mensais com desenvolvedores de jogos em Chicago, e também sessões de teste individuais que agendei. Até o momento, calculo que mais de mil pessoas já tenham testado o jogo, e os jogadores até hoje me surpreendem.

Depois de completar o Relativity, qual é o próximo projeto?

Estou pensando em estudar culinária.

Perca-se entre as outras obras de arte de Chyr em seu website.

Tradução: Marcio Stockler