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Filme

A vida na zona de conflito num filme em realidade virtual de sobrevivente de guerra

Um novo filme chamado "GIANT", dirigido pela sobrevivente de Kosovo, Milica Zec, usa tecnologia imersiva para te fazer viver uma experiência aterrorizante.

Cena de GIANT (2016). Imagens fornecidas pela artista

A infância de Milica Zec foi definida por bombas. Foi criada durante a época do bombardeamento da Sérvia pela Otan, conflito que destruiu grande parte da infraestrutura de seu país. Em 23 de abril de 1999, forças aliadas lançaram um míssil contra a rede de televisão nacional da Sérvia, deixando 16 pessoas mortas. Aquele era o aniversário de 17 anos de Zec.

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Zac passou os últimos 15 anos tentando esquecer essa parte de sua vida. Dois anos atrás, porém, encontrou algum conforto em GIANT, um filme emblemático de realidade virtual. Ambientado no porão da casa de uma família americana durante um ataque aéreo fictício, o filme oferece uma perspectiva voyeurística sobre o trauma vivido por Zec na adolescência. Os atores são americanos, uma escolha que Zec espera que facilite na identificação do público com o tema. Incorporando filmagens com atores reais, câmeras com sensores de profundidade, software 3D e um feedback háptico, o filme é uma experiência imersiva desconcertante e profunda. Poucos projetos exploram tão bem a possibilidade de empatia da realidade virtual.

Cena de GIANT (2016)

GIANT estreou no festival Sundance em janeiro com críticas favoráveis de veículos como The Guardian, LA Times e The Verge, e também será exibido esta semana na Game Developer’s Conference em São Francisco. Atualmente, o filme está sendo desenvolvido na incubadora artística do New Museum, a NEW INC. Os responsáveis por seu desenvolvimento são o diretor Winslow Turner Porter III, a própria Zec e uma equipe criativa que tem interesse no avanço da mídia da realidade virtual e em apoiar a missão de Zec de contar a história de sua própria experiência com a guerra.

Nos escritórios industriais do NEW INC, enquanto especialistas discutem as aplicações e implicações da realidade virtual em uma conferência ao lado, Zec e Porter discutem as experiências que levaram à criação de GIANT. A juventude de Zec foi definida no momento em que decidiu abandonar o medo da morte para manter sua própria sanidade. “Eu não podia surtar a cada segundo, ou então eu acabaria entrando em colapso”, diz ao The Creators Project. “Então decidi que tudo bem se eu morresse. Para viver normalmente, eu tinha que deixar as coisas para lá e não ficar paranóica. Estava preparada para qualquer que fosse o meu destino. Foi uma decisão muito grande para se tomar na adolescência, mas foi o que me acalmou.”

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Zec e suas amigas vestiam alvos pintados em suas camisas e se reuniam em pontes e outros espaços públicos para protestar contra a violência. Desde então, Zec passou a adotar uma atitude de agir no presente, porque talvez não pudesse deixar nada para depois. “Você pode perder a sua vida a qualquer momento, então é melhor usá-la com sabedoria”, diz. “Não me arrependo de nada. Faço tudo que quero fazer. A urgência permeia tudo.”

Após ser aprovada no rigoroso processo de seleção da Universidade de Artes Cênicas de Belgrado — onde muitos tentam duas ou três vezes até serem aprovados —, Zec se formou no curso de Edição de Cinema e Televisão e viajou para os Estados Unidos para continuar seus estudos na Universidade de Nova York.

Em pouco tempo Zec se encontrou na indústria cinematográfica americana, trabalhando na direção e edição dos trabalhos mais relevantes da compatriota Marina Abramovic, incluindo o projeto The Artist Is Present, e o vídeo Kickstarter do Marina Abramovic Institute, além de dirigir e editar comerciais, programas de TV e clipes musicais.

Nenhum desses projetos, porém, refletia a complexidade da vida durante o bombardeamento da Sérvia. Foi somente ao conversar com a roteirista Lizzie Donahue que este capítulo da vida de Zec foi reaberto e se infiltrou em sua carreira criativa. Donahue disse a Zec que seu passado parecia um filme, e que ela devia fazer um sobre o assunto. “Mas se você vem de uma guerra, você quer esquecê-la e tentar levar uma vida normal”, disse Zec que, a princípio, rejeitou a sugestão de Donahue. Um tempo depois, no entanto, reconsiderou e pediu que a própria Donahue escrevesse o roteiro. Em sete dias, o primeiro esboço de GIANT estava pronto.

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Quando Zec leu o roteiro, percebeu que a história seria contada melhor através da realidade virtual. “Quis fazer isso pelas pessoas que estão nessa situação agora. Quero que o espectador passe pela experiência completa do que significa estar em uma zona de conflito. Decidi ver se a realidade virtual é realmente capaz de criar essa situação de empatia. Foi um risco enorme e um grande experimento”, diz Zec.

Apesar do orçamento restrito e da data de conclusão de produção definida pelo Sundance, Zec e Porter não abriram mão da qualidade em GIANT. Foram pioneiros na combinação de filmagens com atores reais e animação 3D, aprimorada pelo uso de câmeras de profundidade Kinect. O processo oferece a seus personagens a intensidade emocional e o realismo encontrado em filmes como Chris Milk e Clouds Over Sidra enquanto se mantém a liberdade de criação desfrutada por designers de videogames e animadores 3D. Porter e a equipe de profissionais da tecnologia produziram GIANT usando os softwares Unreal Engine e Maya, também usados em franquias como Gears of War e Street Fighter e GIFs e vídeos virais. A combinação permite que se deixem vestígios do mundo exterior ao porão, direcionando os olhos do espectador durante a experiência e conforme a ação segue adiante. Os detalhes são a chave, explica Porter: “se um elemento não funciona, você é expulso do mundo virtual”.

Zec e Porter estão contribuindo no avanço das possibilidades técnicas da narrativa em realidade virtual. Talvez mais importante, porém, seja o fato de que estão contribuindo para a linguagem cinematográfica dessa mídia. Transições às vezes são difíceis em vídeos em 360º.GIANT supera essa dificuldade pelo uso de luzes piscantes, que aumentam a tensão e, em alguns momentos, servem de cortes entre as cenas. O som Surround estimula o espectador a olhar para diferentes partes do porão, ocasionalmente encontrando alguns dos vestígios mencionados sobre o mundo ficcional. É fácil acreditar que esse mundo é real com as partículas animadas de poeira que flutuam no ar, apesar da imagem gerada por computador ser evidente nos detalhes. Finalmente, Zec e Porter provam que a combinação de filmagem bidimensional de alta qualidade com dados de sensores de profundidade podem criar um ator 3D convincente.

GIANT consegue traduzir com sucesso as experiências únicas de Milica Zec em algo com o que todos podem aprender e sentir. Se você está em São Francisco, confira GIANT na Game Developer’s Converence (GDC), apresentada pelo Unreal Engine. Saiba mais sobre GIANT em sua página oficial.

Tradução: Flavio Taam