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Nacionalistas Sérvios Interromperam a Primeira Eleição Local de Kosovo

As pessoas que chegavam até os locais de votação eram insultadas e ameaçadas pelos nacionalistas.

Pichação pedindo o boicote das eleições municipais de Kosovo. (Foto por Adam Jones)

Domingo passado, Kosovo realizou sua primeira eleição nacional desde sua independência em 2008.

Apesar da secessão tão comentada da Sérvia há cinco anos, Kosovo ainda não é reconhecido pelo governo sérvio como um estado soberano, então, o fato de que os cossovanos-sérvios façam parte das votações é algo relativamente novo. É preciso ter em mente que essas pessoas foram forçadas a votar e cooperar com seus conterrâneos albaneses pelo governo sérvio em Belgrado. Talvez por isso, uma parte teimosa da população cossovana-sérvia não estava tão entusiasmada com as eleições.

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Nacionalistas numa zona eleitoral.

Enquanto as pessoas chegavam até os locais de votação, nacionalistas sérvios insultavam e ameaçavam àqueles que ousaram votar. Torcidas organizadas de futebol, fascistas do clero, separatistas e nazistas se uniram para boicotar as eleições, com alguns deles filmando os eleitores com celulares numa tentativa de intimidá-los.

Naquela tarde, um esquadrão de 30 homens mascarados invadiu alguns locais de votação na cidade de Kosovska Mitrovica, uma área próxima da fronteira sérvia. “Primeiro, eles invadiram 16 salas de votação na escola primária de Sveti Sava no norte de Mitrovica”, disse Schlumberger, chefe da missão da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), que estava supervisionando as eleições. “Eles destruíram urnas e outros materiais eleitorais. Eles agrediram nossa equipe e jogaram gás lacrimogêneo nas salas.”

Uma bomba também foi encontrada numa escola técnica que estava sendo usada como local de votação em Mitrovica. Como resultado, a escola foi fechada mais cedo e a missão da OSCE evacuou 60 membros da sua equipe de outros três locais de votação no norte de Kosovo.

Um cartaz denunciando a colaboração sérvia com autoridades albanesas: “Não Vou Sujar Minhas Mãos”. (Foto por Adam Jones)

Petrit Selimi, o ministro adjunto de Relações Exteriores de Kosovo disse: “A OSCE já confirmou que, no resto do norte, os resultados são aceitáveis, apesar de a votação ter sido encerrada 20 minutos antes. Os jornalistas só veem as cenas ruins, mas em todas as outras partes do país a situação foi muito boa, o que mostra a participação da população no discurso democrático e no processo eleitoral”.

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No geral, de acordo com os números da Comissão Eleitoral Central, 47,83% dos eleitores da mais jovem república europeia acabaram votando. A participação na municipalidade de maioria sérvia ficou entre 10 e 22%, o que não parece muito bom, mas que –dadas as circunstâncias – é o suficiente para ser considerado um sucesso.

Infelizmente, para as autoridades do Kosovo, isso não foi suficiente; mesmo que ninguém quisesse declarar as eleições como inválidas no começo e, com isso, admitir que os fascistas mascarados venceram, o primeiro-ministro Hashim Thaçi anunciou na quarta-feira que as votações serão repetidas nas três municipalidades do norte.

Pichação comparando a União Europeia ao nazismo. (Foto por Adam Jones)

Mesmo sem saber se as eleições foram ou não um sucesso para Kosovo, Sérvia e UE, os incidentes nos locais de votação não foram exatamente uma surpresa. Desde que Sérvia e Kosovo chegaram a um acordo histórico em abril – no qual a Sérvia reconheceu autoridades de etnia albanesa na província do norte e lhes deu controle de certos serviços, como saúde, educação e sistema judiciário – alguns sérvios locais estão sendo ameaçados para frustrar as próximas eleições.

No vídeo do ataque ao local de votação em Mitrovica, é possível ouvir as pessoas amaldiçoando o nome do primeiro-ministro adjunto da Sérvia, Aleksandar Vučić, que estava envolvido no acordo, chamando-o de traidor e “siptar” – um termo ofensivo usado para albaneses. Para encurtar a história, alguns cossovanos-sérvios acham que o governo sérvio desistiu de Kosovo em troca de uma futura adesão à UE.

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E Vučić não foi o único atacado; em setembro, a família de Oliver Ivanović, um candidato a prefeito de Mitrovica, foi atacado por um homem que invadiu seu apartamento – supostamente porque Ivanović teria sido chamado pelos sérvios do norte para participar das eleições locais. Mais tarde naquele mês, um oficial da UE foi morto a tiros em Zvečan, também no norte de Kosovo. Em outubro, umabomba foi jogada no terraço de um apartamento que pertencia a um candidato ao conselho de Mitrovica.

Krstimir Pantić, um candidato da lista da Iniciativa Civil de Srpska – a única lista de candidatos no Kosovo apoiada pelo governo sérvio de Vučić – foi espancado por dois homens mascarados na sexta-feira antes das eleições. Mais tarde, Pantić disse à imprensa que o ataque foi uma “tentativa de execução”. Além de todos os ataques, alguns patriotas sérvios se reuniram antes da eleição para começar uma ação morbidamente nostálgica batizada de “Limpeza do Norte do Kosovo”, na qual eles rasgaram cartazes de políticos, xingaram pessoas nas ruas e agitaram alegremente bandeiras da pátria mãe.

Uma faixa pedindo o boicote das eleições municipais. (Foto por Adam Jones)

Quando o dia das eleições chegou, bandidos mascarados conseguiram intimidar alguns eleitores, apesar dos 5 mil policiais mobilizados para guardar os locais de votação.

Mas quem são exatamente essas pessoas? Até agora, somente um membro de uma organização ultranacionalista chamada “Nasi 1389” foi preso, de acordo com o jornais sérvios. Outras 20 pessoas foram identificadas, três delas são supostos torcedores do time de futebol Estrela Vermelha de Belgrado. Pantić – o candidato vítima da “tentativa de execução” – acusou Marko Jakšić, um político cossovano conhecido da mídia dos Bálcãs, de estar por trás dos ataques.

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Jakšić é um membro do parlamento do Partido Democrático da Sérvia e tem experiência em odiar pessoas por suas etnias. O International Crisis Group relatou que, em 1999, ele foi responsável por expulsar pacientes e médicos albaneses do hospital do qual era diretor. Atualmente, ele vem trabalhando para fazer nome entre os chamados “linhas-duras” que forçaram as pessoas a boicotar as eleições. Numa sessão do parlamento sérvio depois das eleições em Kosovo, ele disse: “O acordo de abril é um sinal de rendição. As pessoas rejeitaram o plano separatista e mandaram uma mensagem".

Um mural nacionalista numa área sérvia de Mitrovica. (Foto por Adam Jones)

Há também a remota possibilidade de que os torcedores violentos tenham sido implantados por gangues preocupadas com a crescente cooperação entre Sérvia e Kosovo, e a repercussão que isso pode ter em suas operações. Gangues sérvias e albanesas são bem mais amigáveis do que seus governantes, e diz-se que o crime organizado comanda Kosovo mais do que os políticos do país.

A melhoria das relações entre Sérvia e Kosovo ameaça uma imposição mais firme da lei na região, então, talvez o submundo do crime tenha mexido alguns pauzinhos para atrapalhar as eleições.

Apoiados pelos gangsteres ou não, um número de sérvios que vivem em Kosovo quer claramente continuar sendo sérvio, e as tensões estão esquentando novamente uma região que já foi incinerada pela aspereza étnica.

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