Hoje em dia, estar deprimido é como ter gripe. O caminho para a felicidade tornou-se demasiado vulgar — o Will Smith já tentou fazê-lo naquele filme que toda a gente achou uma merda e, se aquilo é o que se tem de passar para ser feliz, escolher o da depressão parece ser mais porreiro e sempre ficas quentinho na tua cama.Se optares pela via do Lars von Trier, vais mergulhar num mundo onde tudo te parece um cagalhão, isto porque as tuas serotoninas resolveram armar-se na CGTP e entraram em greve geral, o que, basicamente, deixa o teu sistema nervoso central tão pendurado como tu naquele dia em que querias ir para a terrinha da tua avó com a CP.
Há uma tendência incorrecta para catalogar as pessoas deprimidas como absortas da realidade. Imagina que estás no local mais incrível e satisfatório que consigas. Agora, rejubila-te com as sensações que esse local idílico te proporciona e, depois, descreve-o a um amigo deprimido. Ele vai ter a perspicácia de imaginar umas beatas de cigarro no chão só para te estragar a imagem, um cheiro a farturas a pairar no ar, ou o Paco Bandeira a trotear por lá em pelota. Mas, no fundo, devias agradecer-lhe por estas notificações. Isto porque, se fores um cabrão mesmo feliz, provavelmente tens uma produção de endorfinas equivalente a uma valente moca de MD, o que significa que andas aí todo dopado au naturel.
O teu amigo — o corta-mocas depressivo — vai ser a tua consciência naqueles momentos em que estás a fazer moche num concerto, por exemplo. Ele vai fazer umas analogias chungas à semelhança do teu comportamento com o do gado e tu, como vais achar a comparação totalmente absurda, vais ser assolado por uma avalanche de oscilações de humor inexplicáveis, semelhantes à sensação pós-eufórica da coca, em que cheirar uma nova linha é imperativo para a continuidade da actividade social.
Este gajo — o desconstructor do Matrix — também não é lá muito conveniente nas alturas natalícias em que o pessoal anda soterrado com a importância dos três minutos extra a 250.º para torrar bem o peru, ou quando estás num café a ver um jogo com o cachecol do teu clube ao pescoço e a comer uns tremoços. Ele vai olhar-te nos olhos da mesma maneira que o esquilo dramático, e, apesar de saberes o motivo, preferes pedir antes outra cerveja, bem fresquinha de preferência.
Por entre outras coisas, ele vai conseguir ver defeitos em cenas do Solaris, achar o Chris Cunningham um coiro e os Naked City medianos. Ou seja, ao lado dele, as personagens do Lágrimas e Suspiros do Bergman vão parecer um hino à felicidade.
No caso de te apetecer ir à ModaLisboa, é melhor não lhe atenderes o telefone. Caso contrário, ele vai armar-se no Morpheous ao perguntar se preferes o comprimido vermelho ou o azul. Como aquela cena em que o Neo acorda numa cápsula viscosa te impressionou quando eras puto, é provável que acabes por escolher antes o azul e, assim, continuas lado a lado às lantejoulas e aos Karl Lagerfeld wannabes, em conversas sobre o que é muito last season e em reflexões profundas tais como “alargar mais as orelhas ou não, eis a questão”.
A certa altura, vocês vão afastar-se. Tu vais fartar-te da atitude niilista, provocadora de bad trips do gajo e ele também se vai cansar de tentar induzir seriedade numa hiena ambulante. Tu, provavelmente, vais crescer e continuar a ver o Will Smith a fazer de bom rapaz (ou o equivalente numa versão pseudo avant-garde), e ele a ver a Kirsten Dunst com cara de quem se cortou e lhe atiraram álcool para cima logo a seguir.
Não faço ideia qual o melhor caminho a escolher, mas a Kirsten estava bem boa no Virgens Suicidas.