FYI.

This story is over 5 years old.

cenas

Os depressivos: as ervas daninhas no jardim dos gajos felizes

Há sempre por aí os corta-mocas que nos lixam a vida.

Hoje em dia, estar deprimido é como ter gripe. O caminho para a felicidade tornou-se demasiado vulgar — o Will Smith já tentou fazê-lo naquele filme que toda a gente achou uma merda e, se aquilo é o que se tem de passar para ser feliz, escolher o da depressão parece ser mais porreiro e sempre ficas quentinho na tua cama.

Se optares pela via do Lars von Trier, vais mergulhar num mundo onde tudo te parece um cagalhão, isto porque as tuas serotoninas resolveram armar-se na CGTP e entraram em greve geral, o que, basicamente, deixa o teu sistema nervoso central tão pendurado como tu naquele dia em que querias ir para a terrinha da tua avó com a CP. Há uma tendência incorrecta para catalogar as pessoas deprimidas como absortas da realidade. Imagina que estás no local mais incrível e satisfatório que consigas. Agora, rejubila-te com as sensações que esse local idílico te proporciona e, depois, descreve-o a um amigo deprimido. Ele vai ter a perspicácia de imaginar umas beatas de cigarro no chão só para te estragar a imagem, um cheiro a farturas a pairar no ar, ou o Paco Bandeira a trotear por lá em pelota. Mas, no fundo, devias agradecer-lhe por estas notificações. Isto porque, se fores um cabrão mesmo feliz, provavelmente tens uma produção de endorfinas equivalente a uma valente moca de MD, o que significa que andas aí todo dopado au naturel. O teu amigo — o corta-mocas depressivo — vai ser a tua consciência naqueles momentos em que estás a fazer moche num concerto, por exemplo. Ele vai fazer umas analogias chungas à semelhança do teu comportamento com o do gado e tu, como vais achar a comparação totalmente absurda, vais ser assolado por uma avalanche de oscilações de humor inexplicáveis, semelhantes à sensação pós-eufórica da coca, em que cheirar uma nova linha é imperativo para a continuidade da actividade social. Este gajo — o desconstructor do Matrix — também não é lá muito conveniente nas alturas natalícias em que o pessoal anda soterrado com a importância dos três minutos extra a 250.º para torrar bem o peru, ou quando estás num café a ver um jogo com o cachecol do teu clube ao pescoço e a comer uns tremoços. Ele vai olhar-te nos olhos da mesma maneira que o esquilo dramático, e, apesar de saberes o motivo, preferes pedir antes outra cerveja, bem fresquinha de preferência. Por entre outras coisas, ele vai conseguir ver defeitos em cenas do Solaris, achar o Chris Cunningham um coiro e os Naked City medianos. Ou seja, ao lado dele, as personagens do Lágrimas e Suspiros do Bergman vão parecer um hino à felicidade. No caso de te apetecer ir à ModaLisboa, é melhor não lhe atenderes o telefone. Caso contrário, ele vai armar-se no Morpheous ao perguntar se preferes o comprimido vermelho ou o azul. Como aquela cena em que o Neo acorda numa cápsula viscosa te impressionou quando eras puto, é provável que acabes por escolher antes o azul e, assim, continuas lado a lado às lantejoulas e aos Karl Lagerfeld wannabes, em conversas sobre o que é muito last season e em reflexões profundas tais como “alargar mais as orelhas ou não, eis a questão”. A certa altura, vocês vão afastar-se. Tu vais fartar-te da atitude niilista, provocadora de bad trips do gajo e ele também se vai cansar de tentar induzir seriedade numa hiena ambulante. Tu, provavelmente, vais crescer e continuar a ver o Will Smith a fazer de bom rapaz (ou o equivalente numa versão pseudo avant-garde), e ele a ver a Kirsten Dunst com cara de quem se cortou e lhe atiraram álcool para cima logo a seguir. Não faço ideia qual o melhor caminho a escolher, mas a Kirsten estava bem boa no Virgens Suicidas.