BAGHOUZ, Síria – Eles subiram por um caminho irregular à beira do Monte Baghouz, um despenhadeiro monolítico com vista para o último pedaço de terra mantido pelo Estado Islâmico, carregando o que podiam.Homens, mulheres e crianças chegaram aos milhares nas últimas semanas, se entregando às Forças Democráticas Sírias, uma coalizão de milícias curdas e árabes apoiada pelos EUA que está supervisionando a batalha para derrubar o último bastião do suposto califado – um pequeno amontoado de barracas improvisadas à beira do Rio Eufrates.“Crianças estão morrendo. Não há mais comida. Eles não têm mais nada para nos dar”, uma canadense casada com um combatente do ISIS disse a VICE News. “Eles [o ISIS] disseram que quem quiser ir embora, se você não aguenta mais, você tem sinal verde para ir.”Depois de semanas de bombardeio e tiroteios intensos, os últimos ocupantes do califado em colapso chegaram ao corredor humanitário, exaustos e desnutridos. Muitos estavam gravemente feridos ou doentes, mas em grande parte não arrependidos e ainda radicalizados. Eles lotavam caminhões de gado abertos em temperaturas congelantes e eram transportados para um pedaço de terra do deserto sírio, onde mais de 60 mil mulheres e crianças se renderam nos últimos dois meses, um número muito maior do que as FDS esperavam.“Não conseguimos acreditar quantas pessoas viviam ali”, disse o comandante das FDS Adnan Afrin. “Foi uma surpresa para nós. Não dava para acreditar que havia tantos.”Dentro do corredor, os homens eram separados pelas FDS e Forças Especiais Americanas para serem levados para a prisão. Mulheres e crianças recebiam comida e cuidado médico de emergência antes de serem obrigadas a sentar e esperar, às vezes por dias, para serem transportadas para campos de refugiados no nordeste da Síria.“Fazia muito frio. As crianças não tinham nada para se aquecer”, lembrou outra mulher do ISIS. Ela foi embora com um grupo enquanto o marido ficou para trás para lutar. “Uma criança se aproximou de mim e os pais dela tinham morrido. Ela veio conosco e uma família a aceitou.”Eles passaram meses morando em barracas e túneis sob o vilarejo, com comida, água e medicamentos limitados. Mas muitos foram embora porque os bombardeios se tornaram intensos demais. Uma mulher iraquiana da província de Ambar descreveu o estágio final da batalha como uma paisagem apocalíptica.“Deixamos corpos carbonizados e casas destruídas para trás”, ela disse. “Muitas crianças foram queimadas, feridas ou mortas. Todas as barracas queimaram, todos os carros queimaram. Muitas pessoas morreram.”Na semana seguinte após a coalizão apoiada pelos EUA declarar vitória sobre o ISIS, cerca de 500 mulheres e crianças chegaram a al-Hawl, um grande campo de refugiados a seis horas de carro a nordeste de Baghouz.Os refugiados do ISIS ali oferecem uma pequena janela para o alcance global do grupo terrorista – mulheres e crianças dos EUA, América do Sul, Ásia, Europa, Turquia, Indonésia, Finlândia e do Cáucaso chegaram ao acampamento nos últimos meses. Agora ele é o maior campo de refugiados da área, lotado com mais de 73 mil pessoas, incluindo mais de 3 mil crianças de famílias do ISIS de mais de 43 países.Mais de 200 pessoas morreram tentando chegar aqui ou logo depois, já que mulheres e crianças começaram a fugir de Baghouz e áreas ao redor em dezembro de 2018, segundo o Comitê Internacional de Resgate. Dois terços das mortes foram de bebês com menos de um ano.E o acampamento oferece seus próprios desafios: o grande número de pessoas tem esgotado alimentos e recursos. Enquanto isso, a dinâmica local é tensa. Famílias do ISIS vivem lado a lado com não-crentes que foram deslocados pela guerra civil síria e os ataques violentos do grupo. Sendo assim, surtos de violência são cada vez mais comuns.Muitas mulheres do ISIS temem estar estigmatizadas para sempre.“Me venderam um sonho”, disse uma canadense que se arrependeu de se juntar ao ISIS a VICE News. “Mas uma coisa que eu não sabia quando cheguei foi que não havia como sair. Eles não dizem que não há como sair.“Só queremos voltar para nossas vidas nos nossos países e pagar pelos erros que cometemos”, ela disse. “Não devemos ser vistas como voltando para fazer mal.”Imagem do topo: mulheres do ISIS fazem fila para receber comida e água num posto de controle no deserto sírio fora do vilarejo de Baghouz. Milhares de famílias do ISIS, incluindo combatentes armados, se renderam às tropas das FDS nas últimas semanas. (Adam Desiderio para VICE News.)Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.
Publicidade
Publicidade
Uma crise de refugiados repentina
Publicidade