Hitler e Eva Braun tomavam injeções de drogas para aumentar a libido
Capa de 'High Hitler'. Divulgação

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Hitler e Eva Braun tomavam injeções de drogas para aumentar a libido

Leia um trecho de ‘High Hitler’ sobre como as drogas viraram o motor da vida cotidiana do Füher durante a derrocada do Terceiro Reich.

O jornalista alemão Norman Ohler chafurdou em documentos sobre a Alemanha Nazista e descobriu, entre outras coisas, que o exército alemão, oficiais de guerra e o próprio Hitler tomaram muita droga na Segunda Guerra Mundial.

A história é narrada em High Hitler, um livro que, como o título indica, mostra os meandros da vida de um Füher doidão, cheio de estricnina. A situação piora com a ofensiva Russa e o começo do fim do Terceiro Reich.

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No trecho abaixo, gentilmente cedido pela editora Planeta, você lê o capítulo "Paciente B", sobre Eva Braun, a amante 19 anos mais jovem que Hitler. O casal tomava inúmeras injeções com as mais variadas drogas ministradas pelo Dr. Morell, que virou o médico particular de Hitler, Braun e até Mussolini. Mais sobre esse cenário de poder e loucura abaixo:

— Carla Castellotti, editora assistente da VICE.

PACIENTE B

"Ou você desiste de fumar ou de mim."
— Adolf Hitler para Eva Braun

Em 4 de janeiro de 1944, durante uma reunião sobre a situação, quando o marechal de campo Von Manstein pediu a retirada do front na curva do Dnieper com o intuito de evitar outra catástrofe militar, Hitler ficou tão nervoso que, "por causa dos espasmos", mandou chamar Morell, [o médico] que lhe ministrou uma injeção tranquilizante de Eukodal [analgésico derivado da morfina]. No mesmo dia, o Exército Vermelho cruzou a fronteira oriental polonesa de 1939, aproximando-se implacavelmente do Reich alemão. Cinco dias depois, Hitler exigiu mais uma vez o forte opioide, "devido aos gases (nervosismo)", como anotou Morell. E quando o ditador se dirigiu ao seu povo num discurso pelo rádio, o médico registrou: "Tarde, 17h40: antes de grande discurso (rádio, amanhã), injeção como sempre".
No final de fevereiro de 1944, no momento em que a Wehrmacht estava prestes a retirar-se da Ucrânia, Hitler enfiou-se na sua casa de campo coberta de neve, seu castelo protegido nas nuvens, em Obersalzberg, onde também estava Eva Braun, sua amante 19 anos mais jovem; ali ele podia observar os corvos e havia uma Streuselkuchen [cuca] quente, "a melhor do mundo", feita segundo uma receita de família da mulher de Morell, Hanni.

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Flocos grossos caíam do lado de fora da enorme janela panorâmica, de acionamento automático, no grande salão. O maciço místico Untersberg, na frente – onde, segundo a lenda, o imperador Barbarossa dorme até a sua ressurreição e a reedificação de um reino feliz –, estava coberto de branco, brilhando na luz do inverno. Mas a neve não animava Hitler; desde a batalha em Stalingrado, ele tinha quase uma aversão a ela, chamando-a de mortalha das montanhas. Por isso o Führer mal passava da porta.

Do lado de fora, a situação estava, de qualquer modo, pouco cômoda para os alemães: os russos, evidentemente resistentes ao frio, preparavam a reconquista da Crimeia, enquanto os britânicos, que avançavam de forma fria e racional, bombardeavam Berlim e outras cidades alemãs do Reich congelado. Os búlgaros, romenos e húngaros, outrora aliados, ameaçavam destruir Hitler, e as derrotas acumulavam-se por toda parte. No sul de Roma, os americanos haviam formado um front sobre solo italiano, empurrando a Wehrmacht também dali. Marechais de campo bem-sucedidos, como Von Manstein ou Von Kleist, foram demitidos, pois não queriam, de jeito algum, parar de manifestar seus próprios pensamentos.

Para aumentar a libido, Hitler recebia testosterona, enquanto Eva Braun era abastecida com substâncias para estancar a menstruação, a fim de que a química entre eles funcionasse no sentido mais literal.

O médico particular de Hitler não foi demitido, pelo contrário. Em 24 de fevereiro de 1944, ele chegou a receber de seu paciente a cruz de Cavaleiro da Cruz de Mérito de Guerra. Na entrega da alta condecoração, Hitler chamou-o de médico talentoso, seu salvador, cientista pioneiro, mas ignorado na área da pesquisa de vitaminas e hormônios. Para agradecer, pouco tempo depois, o médico recém-condecorado ministrou ao seu paciente "pela primeira vez uma injeção de Vitamultin forte (devido ao cansaço e à necessidade de renovar forças). Antes da injeção, muito cansado e esgotado, sem sono. Depois, muito alerta. Duas horas de discussão com o ministro do Exterior do Reich. À noite, na refeição, bem revigorado, se comparado com o almoço; conversa muito animada. Führer extremamente satisfeito!".

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Agora Morell também tratava Eva Braun com cada vez mais frequência: a paciente B tornava seu trabalho fácil, pois exigia a mesma medicação do paciente A, para estar na mesma sintonia do amante. Apenas nas doses de hormônio Morell fazia exceções na sincronização. Para aumentar a libido, Hitler recebia testosterona, enquanto Eva Braun era abastecida com substâncias para estancar a menstruação, a fim de que a química entre eles funcionasse no sentido mais literal e nos tempos limitados entre as reuniões, que se tornavam cada vez mais longas, e pudesse garantir sucesso ao menos do ponto de vista sexual. Era o que Hitler aspirava, mesmo com os boatos contrários. Mesmo ele afirmou que relações extraconjugais eram superiores em vários aspectos, pois estariam baseadas na atração sexual natural entre duas pessoas. Ele parecia convencido, em todos os aspectos, do efeito benéfico do amor físico: sem o amor sexual não haveria arte, nem pintura, nem música. E dizia ainda que nenhuma nação cultural, inclusive a devota Itália, consegue passar sem a relação extraconjugal. Morell, por sua vez, deu informações indiretas sobre o tipo das relações sexuais na casa de campo, quando, depois da guerra, disse em depoimento que Hitler às vezes cancelava os exames médicos para esconder ferimentos no corpo, que teriam a ver com o comportamento sexual agressivo de Eva Braun.

Na primavera de 1944 ainda se divulgava, por enquanto, o quadro de um mundo intacto do Führer – apesar da situação militar catastrófica. A casa de campo, em cujas paredes estavam penduradas obras de velhos mestres, desempenhou de fato um papel importante na divulgação da propaganda e colaborou decisivamente para a realização midiática do culto ao Führer. Durante o despertar da primavera, quando o homem de chapéu e acompanhado do cachorro aparece nas margens da floresta olhando significativamente para longe, Eva, formada pessoalmente pelo repórter fotográfico do Reich, Heinrich Hoffmann, estava sempre lá; ela antes escolhera suas gravatas, dava instruções de direção e acionava sua Agfa Movex. Ainda hoje circulam na internet clipes feitos pela jovem amante, que se escondia por trás da câmera. Quem vê as imagens pode achar que Hitler foi o ser mais ascético, consciencioso e casto do mundo. Ali não há injeções de drogas pesadas, mas veadinhos ou crianças sendo acariciados e ovos de Páscoa escondidos, enquanto o presunçoso Speer anda pelo terraço com seu terno de risca de giz cinza-claro. Também se vê o médico particular devorando uma torta e fazendo uma cara de agrado.

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Quando Eva Braun desligava a câmera, porém, ela começava de novo a enterrar as unhas no antebraço e a maltratar os lábios com os dentes, até sangrarem – enquanto as mãos de Hitler tremiam tanto ao beber chá de maçã que a xícara batia no pires, constrangendo a todos.

Quando Eva Braun desligava a câmera, porém, as máscaras caíam rapidamente e ela começava de novo a enterrar as unhas no antebraço e a maltratar os lábios com os dentes, até sangrarem – enquanto as mãos de Hitler tremiam tanto ao beber chá de maçã que a xícara batia no pires, constrangendo a todos. Morell, por sua vez, mal conseguia subir as escadas de tão esgotado. Afinal, o médico particular não podia descansar, pois todos precisavam dele nesses dias. Era de bom-tom procurar o doutor barrigudo. Seu núcleo de pacientes aumentou, nesse meio-tempo, para a alta sociedade do Reich e seus aliados: ele passou a cuidar de Mussolini, que recebeu o codinome "paciente D", de industriais como Alfred Krupp ou August Thyssen (com consideráveis honorários de 20 mil marcos do Reich), de muitos Gauleiter e generais da Wehrmacht, de Leni Riefenstahl, que recebia supositórios de morfina, de Himmler, chefe da ss, do ministro do Exterior Von Ribbentrop ("paciente X"), de Speer, ministro do Armamento, do embaixador japonês, general Hiroshi Oshima, e também da esposa de Göring, o marechal do Reich que a cada dois dias recebia uma injeção de Vitamultin forte – ou seja lá o que havia ali.

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Agora o médico particular [de Hitler] estava dependente de drogas.

Cada vez mais nacional-socialistas peregrinavam até Morell, mesmo que fosse só para atestar uma proximidade com Hitler e fortalecer sua posição. Mas era este último quem tomava mais tempo do médico; Morell, agora ele mesmo adoentado, reclamou à mulher do ministro da Economia, Funk, também ela paciente: "Preciso seguir toda hora as instruções que recebo de cima. No momento vou às 12h para o Führer, a fim de aplicar possíveis tratamentos, e volto quase sempre às 14h ao hotel, para ficar o dia inteiro na cama, me recuperar novamente e poder acompanhá-lo". Agora era o médico particular quem estava dependente de drogas e seu substituto no consultório, dr. Weber, precisava viajar de Berlim para a distante casa da montanha, pois ele "de todos é quem melhor aplica injeções e o único que com certeza acerta minhas veias". Não sabemos que substância Morell usava.
Doenças, remédios e massacres caracterizavam o dia a dia na casa de campo na primeira metade de 1944. A pista de boliche, uma atração nos anos 1930, mal era usada. Por temerem os permanentes ataques aéreos, redes de camuflagem cobriam a famosa janela panorâmica; todos vegetavam num lusco-fusco eterno e sentavam-se no banco da lareira ou nas caras poltronas, olhando para os gobelinos empoeirados: figuras vampirescas, que precisavam fugir da luz natural. Mesmo que lá fora o sol brilhasse, dentro as luzes estavam acesas. Um cheiro de mofo emanava dos grossos tapetes.

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Doenças, remédios e massacres caracterizavam o dia a dia na casa de campo na primeira metade de 1944.

O comandante e chefe da Marinha, grão-almirante Dönitz, tinha chegado para o aniversário de 55 anos do Führer: relatou sobre a formação de um comando especial com uma arma milagrosa; trouxe de presente maquetes de minissubmarinos e exigiu de seu comandante manter livre, urgentemente, o mar Báltico. Louco por navios assim como uma criança é louca por brinquedos, Hitler fez a promessa, sem pestanejar, àquele jogador de alto risco. Nesse dia solene, o paciente A recebeu de seu médico particular um coquetel de injeções feito de "x", Vitamultin forte, cânfora e estrofantina, uma substância natural usada para prevenção de infartos, assim como, na manhã seguinte, uma injeção de "prostophanta", um preparado desenvolvido pela Hamma, a empresa de Morell, também para coração fraco. Mais glicose intravenosa, de novo Vitamultin e, como duvidosa "cereja do bolo", um preparado caseiro de fígado de parasitas, cuja aplicação, hoje, imediatamente estigmatizaria qualquer médico como charlatão e provavelmente o despacharia para trás das grades. O paciente A agradeceu sinceramente a seu médico, dizendo que era a única pessoa apta a ajudá-lo.

A festa de aniversário só foi perturbada pelos alarmes antiaéreos: as sirenes soaram e o gerador de névoa foi ligado – e o refúgio irreal, a casa de campo, afundou num branco artificial, como uma versão torturante da mística Avalon, separada do mundo por um denso véu. Temendo danos ao coração e com "dificuldade cada vez maior em respirar (por causa do) gás", Morell fugiu rapidamente para o vale.
Na hora do jantar tudo já voltara ao normal. Hitler manifestou mais uma vez sua superioridade moral, chamando o caldo de carne de seus convidados de "caldo de cadáveres", preferindo queijo do Harz com pudim de espinafre, pepino recheado, sopa de cevada, bolinho de rabanete e seis barrinhas de Vitamultin, assim como pílulas de Euflat e outras contra gases, além de extrato de músculo de coração de porco em ácido fosfórico, com fortificante geral. Depois do jantar, o suposto vegetariano cochilou brevemente com sua faca na mão e as mãos cruzadas sobre a barriga, enquanto seu doutor mágico, com seus lendários maus modos à mesa, caído na poltrona depois do obrigatório vinho do Porto, fechava os olhos por trás dos óculos grossos – como sempre de baixo para cima, uma particularidade temida de Morell, de efeito tenebroso. Os dois homens tinham coração fraco e ambos, aos poucos, envelheciam.

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Eva mandara acender a lareira e pôs um disco de jazz americano. Ela queria assistir à noite, pela milésima vez, a… E o vento levou, por causa de Clark Gable, seu ator preferido, mas o chefe do partido, Martin Bormann, com um dente de ouro na boca roubado dos judeus, rejeitou cinicamente com a cabeça, rindo: "O Führer não precisa da descontração de uma noite de cinema, mas de uma aplicação potente". Morell assustou-se, achando tratar-se dele, sentiu vergonha de sua sonolência e logo contou para o grupo uma anedota antiga, de seus tempos como médico de bordo na África, mas que todos já conheciam. Serviu-se então bolo de maçã – e as posteriores cólicas estomacais de Hitler, no seu aposento, foram eliminadas com Eukodal. "Quando eu picar na veia, comece a contar vagarosamente, por favor. Quando chegar ao quinze, o senhor não sentirá mais dor."

O humor de Hitler no dia D esteve sujeito a fortes oscilações. Às 9h ele parece ter gritado na sala do café da manhã: "É a invasão ou não?" Quando Morell correu até ele e lhe injetou "x", ele se tranquilizou imediatamente, mostrou-se de repente sociável e bem-humorado, aproveitou o dia e o tempo bom, e bateu alegremente nas costas de cada um que encontrava.

Nas semanas seguintes ao seu aniversário, enquanto o Exército Vermelho preparava a Operação Bagration, que a partir do final de junho de 1944 lhe liberaria o caminho para a Prússia oriental, a saúde de Hitler piorava cada vez mais. Acompanhada na maioria das vezes por suas scottish terriers pretas Stasi e Negus, Eva mostrava-se chocada com o aspecto abatido e a constituição cada vez mais fraca de seu amante de longa data, que parecia velho; e, quando o criticava por andar curvado para a frente, ele tentava disfarçar seu declínio inexorável com uma piada, dizendo carregar chaves pesadas no bolso. Mas seus joelhos tremiam intensamente sempre que ficava de pé um pouco mais tempo no terraço, observando nos dias claros, sob o céu avermelhado, uma Munique distante e em chamas, enquanto Eva se perguntava, receosa, se continuava de pé a sua casinha chique que ele comprara para ela no bairro nobre de Bogenhausen. Hitler não estava acabado apenas fisicamente; raras vezes Goebbels mentiu de forma tão descarada como no registro de seu diário de 6 de junho de 1944, o dia da chegada dos Aliados à Normandia: "O professor Morell me ajuda um pouco a melhorar o meu estado de saúde, um tanto debilitado. Nos últimos tempos, ele foi um forte apoio também para o Führer. No meu encontro com o Führer, posso concluir que ele se encontra radiante e com bom humor".

De fato, o humor de Hitler no dia D – outro prego no caixão do Estado nacional-socialista – esteve sujeito a fortes oscilações. Às 9h ele parece ter gritado na sala do café da manhã: "É a invasão ou não?" Quando Morell correu até ele e lhe injetou "x", ele se tranquilizou imediatamente, mostrou-se de repente sociável e bem-humorado, aproveitou o dia e o tempo bom, e bateu alegremente nas costas de cada um que encontrava. Na reunião sobre a situação no front, às 12h, para a surpresa de todos, o rosto do ditador estava radiante, apesar da catástrofe militar que se delineava; depois, no almoço – sopa com bolinhos de sêmola, champignon com arroz, strudel de maçã –, entregou-se a um de seus monólogos infinitos e fora da realidade. Desta vez o assunto foi o elefante, que seria o animal mais forte e, como ele, abominava carne. Em seguida Hitler descreveu minuciosamente o horror de um matadouro que visitara na Polônia ocupada. Ele disse que ali as meninas andavam com botas de borracha em meio ao sangue na altura dos joelhos. Enquanto isso, Morell preparava para ele a próxima injeção de glândulas de animais abatidos.

Na noite de 6 de junho, Hitler ainda não acreditava que a invasão na costa do Atlântico Norte teria de fato acontecido; satisfazia-se imaginando tratar-se de um ataque fictício, um mero estratagema para induzi-lo a ter reações precipitadas. Mas não era bem assim. Na verdade, os Aliados haviam invadido, perto da meia-noite, uma largura de 50 km de front, apanhando os alemães de surpresa. A partir de então o front ocidental estava aberto. Do ponto de vista militar, o Reich alemão não tinha mais nenhuma chance. Mas uma coisa alegrou Hitler naquele dia: Goebbels finalmente parara de fumar.
Em 14 de julho de 1944, o Führer deixou sua casa de campo, para sempre. Durante o voo para a "Toca do Lobo", as cortinas permaneceram fechadas. O paciente A estava com "gripe e conjuntivite nos dois olhos. Loção escorreu para dentro do olho esquerdo". Ele foi medicado com uma solução de adrenalina e recebeu ainda relatórios sobre os avanços dos Aliados pela França, a aproximação do Exército Vermelho na fronteira oriental do Reich e os novos ataques aéreos sobre cidades alemãs. Com muito custo, colocou seus óculos de leitura para poder decifrar todas as notícias ruins. Da janela para baixo ele não olhou.

Do livro High Hitler de Norman Ohler, lançado no Brasil pela Planeta. Copyright © 2017 por Norman Ohler. Tradução: Silvia Bittencourt. Todos os direitos reservados.

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