Além do socialismo, do politicamente correto, de jornalistas e de qualquer pessoa que pense diferente do presidente Jair Bolsonaro (PSL), o governo recentemente empossado parece ter encontrado mais um inimigo público: os imigrantes. Na quarta-feira (9), Bolsonaro publicou em sua conta no Twitter uma mensagem em tom de crítica ao Pacto Global para Migração, acordo da ONU (Organização das Nações Unidas) assinado por 164 países, inclusive o Brasil, em dezembro de 2018.
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No documento, voltado ao reforço da cooperação internacional para processos seguros, ordenados e regulares de migração e para eliminar qualquer modalidade de discriminação, o presidente afirmou que o país é soberano para decidir se os aceita ou não, além de que quem vier deverá estar sujeito às leis, regras, costumes e cultura daqui. Ainda, de acordo com o presidente, “não é qualquer um que entra em nossa casa, nem será qualquer um que entrará no Brasil via pacto adotado por terceiros.” De acordo com reportagem publicada pela BBC Brasil, o Ministério das Relações Exteriores solicitou aos diplomatas brasileiros para comunicarem a saída do pacto à ONU.Quem ouve Bolsonaro falar pode imaginar que o país está tomado por imigrantes e que eles podem fazer o que bem entenderem por aqui. Todavia, a história está longe de ser essa: eles devem respeitar a legislação local. Ainda, a quantidade de pessoas nativas de outros países está muito longe do que a vã filosofia do WhatsApp nos induz a pensar: há cerca de 750 mil imigrantes na terra brasilis, o que totaliza a impressionante marca composta por quatro imigrantes a cada mil brasileiros – para efeito de comparação, a Alemanha tem 148 estrangeiros a cada mil nativos. OK, a situação na fronteira com a Venezuela é delicada demais, mas a medida tomada está muito longe de proteger a soberania dos brasileiros e de combater o moinho de vento do globalismo.
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De acordo com Carolina de Abreu Batista Claro, pós-doutoranda em relações internacionais da UnB e professora universitária do IREL (Instituto de Relações Internacionais), da mesma instituição, a medida adotada pelo governo federal não se justifica, pois o pacto consiste em norma de soft law do direito internacional – ou seja, traduz regras de valor normativo limitado e que não são obrigatórias em âmbito jurídico.Logo, o documento consiste em compromisso de ações com base no contexto atual e em demais tratados internacionais já existentes, aos quais o Brasil está vinculado. “A saída consiste em retórica política de extrema-direita, não corresponde com a realidade sobre as presenças de estrangeiros e de imigrantes no Brasil”, pontua, ao ressaltar como o vacilo cometido pela diplomacia brasileira é significativo: “além disso, [a saída] demonstra profundo desconhecimento sobre direito internacional e como internalizamos essas normas”.Os demais países que anunciaram a saída do Pacto Global para Migração, como EUA, Austrália, Itália e Hungria têm fluxos migratórios muito maiores do que o Brasil, pois são locais de destino – EUA e Austrália, respectivamente – ou estão em rotas de trânsito, como nos casos de Itália e de Hungria.Coincidência ou não, boa parte dos países que não assinou o documento está numa vibe que, sem meias palavras, cheira a fascismo, se parece com fascismo e (olha só) é bem fascista. Matteo Salvini, primeiro-ministro italiano, é abertamente de extrema-direita e conhecido por dar declarações que completam o bingo da xenofobia e da discriminação irrestrita – basta dizer que, há apenas alguns dias, ele se referiu às manifestações racistas contra o zagueiro senegalês Kalidou Koulibaly, do Napoli, como “brincadeira saudável entre torcidas”.
Geopolítica fascista
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Viktor Orbán, primeiro-ministro húngaro, não tem o menor pudor para bostejar com sucesso quando o assunto é racismo, islamofobia e qualquer modalidade de preconceito – e quem ousar pensar diferente dele, bom, é boicotado até perder a capacidade de falar. Ele não está sozinho: ainda que a direita populista tenha sofrido uma derrota importante nas eleições municipais na Polônia, o presidente Andrzej Duda conta com o apoio de uns feras de extrema-direita. Soma-se a isso tudo a falta de sensibilidade com qualquer causa humanitária de Donald Trump e a vontade insana de Steve Bannon dominar as mentes de geral. É com essa galerinha que apronta altas confusões com quem Bolsonaro quer se sentar no recreio. E quem anda com fascista, sabe como é, fascista é.Todavia, a caminhada do Brasil é, histórica e geopoliticamente diferente das desses países quando o assunto é imigração. Não há nada que respalde a decisão do governo Bolsonaro. “Não temos número muito grande de imigrantes e o fato de o Brasil dizer que sairá do pacto está em discordância com quem o país já faz e com os tratados internacionais dos quais já faz parte”, pontua Carolina Claro.
Quem sai perdendo?
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Além disso, um dos objetivos do pacto é assegurar que o processo de imigração aconteça de modo seguro, ordenado e regular, garantindo a segurança dos imigrantes e evitando a ação de coyotes –contrabandistas de imigrantes – o tráfico de pessoas. “Com essa medida, o governo Bolsonaro poderá estimular o crime organizado transnacional para o contrabando de migrantes e para o tráfico de pessoas para fins sexual e de exploração laboral, principalmente”, ressalta a pós-doutoranda em relações internacionais da UnB, que reforça os benefícios que a imigração segura e regular provenientes do pacto poderiam proporcionar para o indivíduo e para o país. “Ele não só fará parte do trabalho formal, mas poderá também buscar por educação e demais serviços públicos, e contribuir para a economia brasileira.”
Outro ponto a ser considerado é a mudança da imagem do Brasil perante a comunidade internacional. Sim, a luta contra a lenda urbana do globalismo nos fará sermos vistos na gringa como um povo que um dia defendeu a mediação de conflitos e os direitos humanos, mas que se tornou um (adivinhe?) país de extrema-direita. Em resumo: o nosso filme estará queimado. “O afastamento dos ideais de paz, dos direitos humanos e de proteção ao meio ambiente é extremamente negativo para o país, pois poucas nações irão querer chegar ao Brasil. O país só tem a perder nas conjunturas atual e futura”, pondera Carolina.
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