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Os antipáticos voltaram para apontar o dedo

Sempre fora do circuito, claro.

O esboço para a criação das edições Antipáticas começou em 2004. Um grupo de malta jovem, inspirada pela cena okupa e anarquista, alguns até ex-militantes do PCP, decidiu apresentar alguns textos políticos que, de alguma forma, “faltavam no panorama da esquerda em Portugal”. Segundo os próprios, as coisas começaram a tomar forma depois do funeral do Álvaro Cunhal e foi durante os cânticos da Internacional Socialista que decidiram “editar uns livros que viessem abanar o barco” e “deixar de lado a propaganda rasteira” que a esquerda teria aplicado até então. Foi assim que, em 2005, surgiu a tradução da Sociedade do Espectáculo de Guy Debord — tradução de Francisco Alves e Afonso Monteiro. A reedição surgiu naturalmente, além de ser um livro “ultra-discutido nas faculdades, sobretudo nas de Ciências Sociais e Belas-Artes”, as anteriores edições estavam mais do que esgotadas nas livrarias e nos alfarrabistas. De 2005 até aos dias de hoje, têm sido lançados vários outros livros, entre eles a Insurreição Que Vem e uma compilação de textos e entrevistas sobre os Motherfuckers. Os "antipáticos" até já andaram em digressão com o Ben Morea, personagem lendária dos sixties americanos. Como seria de esperar, as Antipáticas têm fugido ao circuito da FNAC, não apenas por uma questão política, mas também porque se estão a cagar para os direitos de autor e não têm propriamente uma existência legal (apesar das edições apresentarem um depósito-legal). Por isso, a distribuição está naturalmente limitadas às livrarias habituais (Letra Livre e Ler Devagar) ou aos espaços culturais (Zona Franca dos Anjos ou RDA, Associação Cultural nos Anjos). Todos estes livros surgem sem periodicidade e sem pré-aviso. Todo o trabalho é feito em cima do joelho, o grafismo depende de um amigo que lhes envia propostas para discussão e tudo depende da disponibilidade que os editores têm no imediato. Ainda assim, foi com surpresa que, há dias, as edições Antipáticas lançaram Sobre a Passagem de Milhares de Pessoas Por Um Breve Período de Tempo, um livro em que os editores e tradutores se assumem como autores e nos trazem crueza e clarividência ao contexto dos movimentos sociais e das manifestações. Se é verdade que este livro, “escrito por vários pares de mãos”, nos mostra um discurso “incompleto, parcial e questionável”, não é menos verdade que nos traz também o melhor e o mais lúcido que se escreveu, até à data, sobre o conjunto dos movimentos sociais que conhecemos nos últimos três anos. Dispara em  todas as direcções e não pretende ser muito mais do que uma denúncia a uma esquerda sempre defensiva e que, em Portugal, se encontra sequestrada e dependente de um mapeamento de recrutamento, de um permanente auto-elogio mediático, entre outras coisas. E podemos condenar a antipatia? Claro que não, trata-se de uma acusação tão justa quanto óbvia. Que não restem dúvidas que temos em mãos um projecto que poderá desalinhar o debate político do futuro da(s) esquerda(s). Fiquem atentos ao Tumblr para ver onde isto vai parar.