No início do século, o Buzzcocks pousou em Londrina, no norte do Paraná, para o primeiro show da série pelo Brasil, que ainda incluiu Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo. Em 2001, o punk rock e a banda comemoravam duas décadas e meia de história. O que Shelley e nem os "pés vermelhos" (como são chamados os londrinenses) sabiam é que ele voltaria para a cidade e aquela seria a primeira de muitas noitadas juntos.
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“O Renato Martins do selo Ataque Frontal ligou, fez a proposta, e eu e o meu sócio Eduardo não pensamos duas vezes em trazer. Nós estávamos numa época muito legal de shows em Londrina (Atari Teenage Riot, Man or Astroman, Millencolin, Superchunk, Stephen Malkmus)”, lembra André Guedes, produtor cultural e sócio proprietário da Madame X, casa de shows que entre 1997 e 2005 incluiu a cidade na rota das turnês internacionais.À época, a Reuters, em tom curioso, publicou a manchete “Buzzcocks começa turnê brasileira por Londrina (PR)”. A chegada do quarteto em 27 de junho de 2001 foi o destaque na imprensa local e os frequentadores do Bar Potiguar, que, em breve, seria uma das paradas obrigatórias de Pete, provavelmente nem dormiu. Mas eles não se importaram com o burburinho. Fizeram questão de passear à tarde pelo centro logo após a chegada. A primeira visita foi à extinta loja de discos Garageland.“O baixista (Tony Barber) entrou ‘pogando’, porque estava tocando Vibrators, e o Steve Diggle comprou um VHS pirata do Nirvana com o show em que eles também tocaram. O Pete estava mais reservado. Eles autografaram o meu disco, fizeram umas fotos e foram embora”, recorda Fernando Feijó, sócio da loja no período e, atualmente, DJ e apresentador do programa de rádio Rude Boy Train.Centenas de pessoas se apertaram à noite na Z3, casa de shows que, em anos anteriores, recebeu o Fugazi quando ainda era uma boate de música sertaneja. Apesar de ser a atração principal, o Buzzcocks subiu ao palco primeiro e, na sequência, veio o Cherry Bomb, power trio londrinense que cruzaria algumas vezes o caminho de Shelley.
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ROMANCE (NÃO) FICCIONAL
O namoro foi destaque no Jornal de Londrina com a manchete “Os punks também amam”:
“O punk rock inglês está de namoro com sua vertente brasileira e pode chegar ao altar se Pete Shelley (vocal/guitarra), o líder da mitológica banda inglesa Buzzcocks e a londrinense Maíra Tito resolverem juntar as guitarras. Shelley desembarcou este mês no Brasil para visitar a vocalista da banda 3 Cool Chicks, que por sua vez irá para Manchester no fim do ano decidir sobre o casamento”.
Acomodado na Zona Leste da cidade, Shelley tentou ser discreto, mas logo chamou a atenção desfilando de bermuda e sapatênis pela área de lazer do condomínio Metropolitan. A molecada, que o conhecia das capas de discos e pôsteres, achava estranho ver o ícone punk, que sempre foi fotografado com paletós, calças e camisas surradas, adotar aquele visual mais relaxado.“Quando Pete chegou a Londrina, não estava preparado para o calor (apesar de estar em pleno inverno), então fomos comprar roupas adequadas. Na época, ele andava um pouco deprimido e só vestia preto. Mas disse que estava feliz por ter me conhecido, então ia voltar a usar roupas coloridas. Compramos umas bermudas e camisetas azuis, verdes, cinzas, cáqui, etc”, revela Maíra.
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Solícito e disposto, ele se dedicava à rotina do lar e ainda se mostrou um cozinheiro talentoso. “Às vezes eu ia trabalhar e quando chegava em casa a louça estava limpa, nossas roupas lavadas e estendidas. Ele cozinhava muito bem e me ensinou muitos pratos que faço até hoje, como mac'n'cheese com o legitimo cheddar inglês, café da manhã com bagel, cream cheese, salmão defumado, scrambled eggs e capeletti temperado só com pimenta-do-reino moída na hora e manteiga”, reconhece.Pete era vegetariano. Porém não resistiu às inúmeras festas que as bandas locais e fãs promoveram. Inclusive, ele tornou-se habitué do Galpão Nelore, churrascaria tradicional da cidade. “A banda toda (Buzzcocks) era vegetariana e só consumia alimentos naturais durante as turnês, mas ele caiu em Londrina e não teve jeito. Já estava nos churrasquinhos comendo carne (risos)”, se diverte Rodrigo Amadeu, vocalista e baixista da banda Cherry Bomb, que hoje mora no Reino Unido.
A Avenida São João em Londrina nunca foi tão procurada como em 2001. Quando Pete estava em casa, os meninos tocavam direto o interfone de madrugada. E não foram poucos os convites. “Ele podia ser temperamental às vezes. Nós éramos jovens entusiasmados com esta convivência, portanto abusamos da paciência dele”, assume Maíra.Dos bares da Avenida Duque de Caxias aos localizados nas redondezas da Avenida JK, Shelley circulou, muitas vezes, incógnito, mas a tranquilidade durava pouco. Abordado pelas rodas de adolescentes que o cercavam, era atencioso, conversava e, sempre que podia, aparecia para palhinhas em estúdios. “Perguntei à Maíra se daria para ensaiar com o Pete e, um dia depois, ele disse que era só nós marcarmos. Então, eu emprestei uma guitarra, levei outra para ele e convidei os amigos Rafael Busato para o baixo (ex-Cherry Bomb/Os Chuvas/More Kicks) e André Ballalai (ex-Higgledy Piggledy/Me Second and the Jimme Jones) para tocar bateria. Começamos só nós três, achando que talvez ele nem aparecesse. De repente, o cara chegou. Antes de começar, eu disse: ‘com qual música começamos?’ e ele respondeu: ‘você é quem sabe. Eu acho que sei todas’ (risos). Ele tinha um senso de humor muito legal. Então, nós tocamos “Fiction Romance”, detalha o relações públicas e artista solo Renato Rodrigues.
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PETE CHERRY: O QUARTO INTEGRANTE
“Pete apareceu do nada lá e nós pensamos: 'que tal chamá-lo para tocar?' Ele topou e mostramos as músicas e os tons em um papel para ele dar uma olhada. Quando o bicho subiu com a gente, o público foi à loucura e arrancou uma grade de proteção bem na beirada do palco. Foi uma noite selvagem”, se orgulha Rodrigo Amadeu.
O compositor foi embora no fim de julho e a notícia repercutiu:
“Pete Shelley volta para Londres depois de amanhã. Quando chegar em casa, tem o compromisso de escrever músicas para o novo disco que a banda pretende gravar. ‘‘Já temos sete ou oito canções prontas’’, adiantou. Londrina, quem sabe, seja tema de alguma nova música”.
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O esboço dessas canções, que seriam gravadas um ano depois e lançadas em 2003 no álbum Buzzcocks, foi encontrado caído nas esquinas de Londrina. “Em uma madrugada eu cheguei no Potiguar e a galera me falou que o Pete havia passado por lá, mas já tinha ido embora. Fiquei até de manhã no bar e voltei a pé pela Rua Quintino. No caminho eu achei um bloco de notas. Um caderninho todo escrito em inglês com letras e frases soltas. Na hora eu saquei que era dele. Liguei para confirmar e realmente era. No outro dia, eu devolvi. Achei engraçada esta conexão de ter achado o lance dele, porque poderia ter sido outra pessoa qualquer que achasse e jogasse aquilo no lixo”, conta Rafael Busato, guitarrista residente em Londres.Em novembro, o líder do Buzzcocks voltou ao Brasil para outra temporada em Londrina. Desta vez, o guitarrista e vocalista britânico se apresentou com a Cherry Bomb no Bar Valentino, reduto da boemia londrinense desde o fim da década de 1970. A divulgação antecipada e massiva gerou grande expectativa tanto por parte daqueles que haviam perdido a primeira oportunidade quanto dos que estavam ansiosos para assisti-lo novamente em ação.“Nós ensaiamos com o Pete e reservamos parte do repertório para as nossas músicas e parte para faixas do Buzzcocks. Os garçons ficaram impressionados porque nós tínhamos lotado mais que o Set Satelite (grupo local que esgotava a capacidade do Valentino naquele período). Fomos dividir o dinheiro da bilheteria, mas Pete recusou. Ele só aceitou que pagássemos a bebida dele”, pontua Lucas Ricardo, proprietário da Malucas Discos e baterista da Cherry Bomb.
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Naquele ano, o casal Tito & Shelley passou o Natal em terras britânicas. “Nos dias festivos, dirigimos até Leigh, sua cidade-natal. Lá passeamos por Manchester e ele me contou as histórias do início da carreira. Ficamos hospedados na casa da sua mãe, uma senhora muito querida que faleceu recentemente”, rememora Maíra.A última e derradeira aparição de Shelley para o público londrinense, entretanto, foi inusitada e passou longe dos inferninhos apertados com os quais já havia se habituado. “Em abril de 2002, Pete e eu subimos ao palco do Iate Clube durante a minha festa de formatura em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) para cantar uma versão improvisada de ‘Ever Fallen in Love’. Foi épico!”, destaca Maíra Tito. Ainda em 2002, o casal se reencontrou em Londres e passou três meses juntos. “Ele ainda voltou mais uma vez a Londrina, mas tivemos alguma briga boba — como tínhamos com frequência — e o romance acabou”, lamenta.Apesar do desfecho, a amizade continuou. Em dezembro de 2006, o álbum Flat-Pack Philosophy, enviado por correspondência e recebido na data do aniversário de Maíra, continha uma surpresa. “Ele fez uma música dedicada a mim chamada 'Reconciliation'. Neste período, eu morava em Brasília e ele me mandou o CD pelo correio. Depois disso, seguimos como amigos. Ele conheceu Greta, a canadense-estoniana com quem se casou, e foi morar em Tallinn (capital da Estônia). A partir daí, o nosso contato foi mais virtual”, conclui.
DESPEDIDA
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