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Uma breve história dos paraísos fiscais e dos crimes financeiros

Os Panama Papers complicaram a vida de muita gente graúda. Mas isso mudará algo no mundo?

Foto: Felipe Larozza/VICE Brasil.

Este artigo foi produzido em parceria com a Sony Pictures e Monster Money.

Após a divulgação dos Panama Papers, milhares foram às ruas da Europa para exigir a saída de líderes políticos envolvidos no escândalo. Na Islândia, o primeiro-ministro renunciou. No Reino Unido, bem, teve isso. A genética de David Cameron atrapalhou a carreira do político, e agora ele está implicado em uma rede de falcatruas tributárias graças à sua conexão com uma conta no exterior criada originalmente no nome do pai dele, Ian Cameron. Muita gente foi às ruas de Londres pedir a saída do Primeiro-ministro britânico. Nos EUA, nada aconteceu. Longe da política, até o Jackie Chan foi envolvido, mas ninguém protestou para ele renunciar à produção filmes de ação muito loucos, porque as implicações culturais da aposentadoria dele seriam terríveis demais para aguentar.

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Como falamos, na Inglaterra as pessoas saíram em marcha. Marcharam de camisa havaiana, em alusão a lugares exóticos onde os ricos escondem dinheiro; marcharam de chapéu panamá e de bermuda. Pisaram duro pela Downing Street e exigiram a saída de David. Alguns até ostentavam máscaras de porcos de borracha, em referência ao suposto namorico do primeiro-ministro com um colega suíno tostado na faculdade.

Embora a ideia de que o primeiro-ministro inglês foi pego em flagrante com um animal seja uma grande piada, o fato foi ofuscado no dia pela reivindicação principal do protesto: Cameron teria quebrado seu contrato social. Ele mostrou que, sim, existe de fato uma lei para a elite e outra para a gentalha comum como eu e você; e enquanto nós batalhamos para financiar nossos serviços públicos decadentes com impostos tirados de nossos salários patéticos, o Dave desvia dinheiro através de uma imensa rede de brechas complicadas e atribuições suspeitas – igualzinho ao Putin, igualzinho ao primeiro-ministro da Islândia, e igualzinho a milhares de banqueiros sem rostos que levaram a economia global para o buraco em 2008.

Ou pelo menos é o que gostaríamos de acreditar. Na verdade, até agora o Dave não fez nada de ilegal. No máximo, foi o pai dele quem fez. Clássico do pai que faz passar vergonha! Encobrir os pecados do progenitor pode ter sido uma coisa meio bosta de se fazer, mas não levará o primeiro-ministro para o mesmo mau caminho de Bernie Madoff. Como teria ditouma vez o criminoso de colarinho branco mais famoso do mundo: "Todo mundo que é alguém tem um bom contador que monta uma empresa fantasma e coloca dinheiro em uma conta no exterior. E por que não fariam isso? Está totalmente dentro da lei".

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Embora esteja cumprindo uma pena de mais de 100 anos, Bernie meio que tinha razão. Mas se você não faz ideia do porquê, aqui vai um pequeno guia sobre contas no exterior, brechas tributárias e como os caras ricos conseguem se safar fazendo isso.

IMPOSTOS: ELISÃO X EVASÃO

Desde a divulgação dos Panama Papers, tem-se discutido muito sobre a diferença entre evasão e elisão fiscal. Explicando de forma simples, Elisão está dentro da lei e Evasão não.

Segundo Alex Cobham, Diretor de Pesquisa da Tax Justice Network, organização global que luta por transparência fiscal, a diferença se resume a isso. "Na prática, a elisão não deveria envolver a ocultação de informações das autoridades arrecadadoras de impostos; o que você faz é apresentar uma interpretação de uma determinada estrutura que criou, argumentando que, dentro do ordenamento, sua obrigação tributária é menor do que as autoridades poderiam pensar."

Por exemplo, mais de 50 mil famílias na cidade de Nova York não pagaram imposto de renda em 2013, apesar de registrarem US$ 1,8 bilhão em ganhos de capital, dividendos, juros e salários. Espera, como é que é? Segundo Doug Turetsky, chefe de gabinete da secretaria de finanças da cidade, essas pessoas "sabem encontrar e usar artifícios fiscais para gerar prejuízos não realizados". Se você não faz ideia do que isso quer dizer, não se sinta só. Mas, resumindo, um artifício fiscal normalmente é visto como uma propriedade ou empresa que não registra valorização nem gera lucro, o que significa que o dono não tem que pagar impostos sobre ela. Se você é extremamente rico, deve ter algumas propriedades ou empresas, então pode escolher a pior de todas e declarar seus ganhos em cima dela. Pronto. Nada de imposto de renda – e está tudo dentro da legalidade.

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Evasão, por outro lado, "envolve fingir que você está fazendo uma coisa que não está", como "alegar que não possui uma empresa ou conta bancária que de fato tem". Um campeão da evasão fiscal flagrante foi meu camarada, herói norte-americano e o Blade em pessoa, Wesley Snipes. Nos anos 90, Wesley passou vários anos sem declarar imposto de renda, apesar de ganhar milhões de dólares com filmes como Homens Brancos Não Sabem Enterrar, O Demolidor e Para Wong Foo, Obrigada por Tudo! Julie Newmar. Há quem brinque que ele colocou "US$ 0" no formulário em vez de "US$ 50.000.000". Outros alegam que ele declarou que era estrangeiro não residente, apesar de ter nascido nos EUA. Seja qual for o caso, Snipes foi condenado por fraude tributária e sentenciado a três anos de prisão.

PARECE BEM SIMPLES. ENTÃO QUAL É O PROBLEMA COM A ELISÃO?

Bom, fora do dicionário, 'estar dentro da lei' pode ter muitas interpretações, o que significa que a prática de 'elisão' pode chegar a um milímetro de 'evasão', cagando em cima de toda a noção de moralidade e justiça do homem comum.

Como diz Cobham, "todo dia, nos tribunais do mundo todo, há um grupo de advogados argumentando que uma determinada coisa foi declarada e é uma técnica legítima de elisão, e o outro lado argumentará que envolve um grau de interpretação equivocada e evasão. E todo dia um juiz decide que um desses grupos de advogados está certo e o outro, errado".

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Assim como Jimmy Carr ou OJ Simpson, você pode se safar de absolutamente qualquer coisa se tiver um bom advogado. Por isso que, quando o assunto é tributação, Cobham argumenta que "há uma imensa zona cinzenta."

E essa zona cinzenta fica ainda mais nebulosa se for estabelecida longe de Wall Street.

POR QUE NO EXTERIOR?

Ter uma conta no exterior não é por si só problemático. Como aponta Cobham, "todo lugar é exterior para algum outro lugar". No entanto, quando você tem uma conta em um banco suíço, de uma empresa panamenha comandada por um cara que tem o mesmo nome que o seu spitz alemão, uma defesa tipo "escrevo como se tivesse dois anos e não sei soletrar" como a de Harry Redknapp começa a ficar um pouco menos plausível.

O fato é: se você se dá a todo esse trabalho para guardar seu dinheiro, provavelmente tem alguma coisa a esconder. Um marido não compra leite às 4h da manhã se não estiver indo ao puteiro, assim como um bilionário não investe em uma república das bananas se não estiver desviando muito dinheiro de impostos devidos a seu próprio país. "Isso é ruim para a sociedade", afirma Cobham. "É o processo, não de ser no exterior, mas de usar e abusar do sigilo em vez de alternativas mais transparências." Resumindo, é porque as pessoas envolvidas "estão escondendo alguma coisa".

E nem ouse começar a pensar que esses paraísos fiscais só existem em ilhas tropicais. Algumas das maiores corporações do mundo dividem o mesmo endereço em um prédio comercial despretensioso em Wilmington, Delaware. Isso mesmo, Delaware: o primeiro estado dos EUA a ratificar a Constituição norte-americana, terra de Joe Biden e lar de algumas das leis tributárias mais camaradas para as empresas do mundo. Chega a ser mais camarada que a das Ilhas Cayman, segundo alguns.

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Então o que pode ser feito para impedir que esses paraísos apareçam em competências internacionais? Cobham afirma que precisamos criar registros públicos que forcem essas competências a concordarem com a "troca automática de informações fiscais". Só que, considerando a natureza complexa do federalismo, isso provavelmente não vai acontecer em Delaware.

MORALIDADE À PARTE, OS PARAÍSOS FISCAIS DÃO MESMO PROBLEMA PARA AS PESSOAS?

Sim. Quando as investigações estiverem concluídas, provavelmente veremos muita gente rica e poderosa algemada por causa dos Panama Papers. Por exemplo, já sabemos que os documentos detalham a lavagem de bens relacionados a uma poderosa organização criminosa mexicana envolvida com o tráfico, então quem estiver implicado nisso provavelmente ficará muy triste quando o juiz responsável pelo caso dar a batida final no martelo.

Tirando os Panama Papers, historicamente, as conexões com paraísos fiscais de fato resultaram em muita gente rica tendo muito problema. Como já mencionado, o notável fraudador do esquema de pirâmide Bernie Madoff tinha dinheiro em várias jurisdições suspeitas e acabou pegando uma sentença de 150 anos.

m outro caso semelhante, o corporate raider (um tipo de "empresário-abutre") dos anos 80 Paul Bilzerian, que cumpriu pena por fraude, escondia a maior parte do dinheiro em paraísos fiscais. No entanto, parece que a condenação não dificultou muito a vida dele, principalmente se você for uma das pessoas que acreditam que ele financia o estilo de vida notório do filho, celebridade de internet.

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Em uma escala muito mais gigantesca, o ex-primeiro-ministro grego George Papandreou avalia que o país teria evitado um resgate financeiro se não fossem os US$ 21 trilhões (dados dele, não nossos) escondidos em paraísos fiscais ao redor do mundo. O país bem que precisava desse montante todo desviado, considerando que passa hoje por uma das mais graves crises financeiras do século 21.

ENTÃO O QUE ESPERA DAVID CAMERON?

Não muito. Só uma imensa sensação de vergonha e um sentimento profundamente arraigado de desconfiança emanando do povo que ele governa. Mas quando se é sobrevivente de um porcogate, parece que isso não tem tanta importância assim. "É uma vergonha para Cameron", argumenta Cobham. "Mas pelo que podemos ver, os pagamentos que ele recebeu e as declarações às autoridades tributárias foram feitos de forma correta. Só acho que ele errou ao dizer que a empresa do pai não foi criada para fins de elisão fiscal."

Desculpa, Dave, mas quando seu velho abre uma conta no exterior no meio da liberalização dos controles de câmbio do governo Thatcher, provavelmente foi para fins de escapar de tributação. Mesmo assim, não é culpa do Cameron.

É meio estranho (muito estranho), mas não é muito mais que isso.

E QUANTO A OUTROS LÍDERES MUNDIAIS?

O primeiro-ministro islandês Sigmundur Davíð Gunnlaugsson já renunciou ao cargo depois que os Panama Papers revelaram que ele e a família supostamente esconderiam milhões em contas no exterior. A decisão foi tomada depois de uma onda de protestos. Esse é o tipo de ação civil que preocupa alguns políticos, mas não tem absolutamente efeito nenhum sobre aqueles que são feitos de materiais mais rígidos. Como o líder autoritário queridinho de todos e amante de esportes recreativos Vladimir Putin, que também foi implicado nos vazamentos.

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Duvido que qualquer instabilidade leve o Vla a abandonar o posto. E mesmo se a Interpol aparecesse para "bater um papo", acho difícil a KGB permitir que a polícia internacional dê uma passadinha no Kremlin e/ou viva para contar a história.

Quanto à relação de Barack Obama com contas escusas no exterior? Não existe. O Barack está tranquilo. O Barack vai encerrar o mandato com as finanças bem explicadinhas. E é certo que esse tipo de transparência econômica continue se o maior negociador do mundo for seu sucessor. Maravilha.

PARAÍSOS FISCAIS, BRECHAS TRIBUTÁRIAS E FALCATRUAS FINANCEIRAS DEVEM CONTINUAR?

Desde a divulgação dos Panama Papers, o mundo está se fazendo muitas perguntas. Será que os líderes globais continuarão a esconder bens em contas no exterior? Será que as competências insulares continuarão a operar como cofrinhos sem regulamentação? Será que o mundo verá mais Jordans Belforts, mais Pauls Bilzerians e mais fundos suspeitos ligados às pessoas que governam nossas vidas?

Infelizmente, é bem provável que sim. No entanto, parece que a maré está virando. Embora o protesto que citei não tenha conquistado muita coisa, conseguiu pelo menos sugerir que estamos putos da vida e não vamos mais aceitar isso, ou algo assim. Como destaca Cobham, "este é o momento da responsabilidade, não da total criminalidade. A revolta do público tem a ver com uma noção mais ampla de ver a elite descumprindo as regras que espera-se que o resto de nós cumpra todos os dias."

Mas já não ouvimos essa história toda? Essa revolta já não cozinhou em fogo brando até explodir anos atrás, e depois foi engolida por notícias de outras crises? Dos protestos do Occupy à reivindicação pela saída de Cameron, a falcatrua financeira dos poderes estabelecidos já nos levou a um sem-fim de indignação. O mercado imobiliário quebrou e sofremos uma grande recessão, e mesmo assim os engravatados que orquestraram a coisa toda conseguiram garantir o dinheiro deles graças a uma complexa rede de paraísos fiscais e brechas jurídicas. O primeiro-ministro britânico herdou meio milhão dos pais. Há boatos de que Putin seria mais rico que Deus e está saindo com Wendi Deng. Do jeito que está, há quem diga que o sistema faliu. Talvez esteja falido para além de salvação?

Cobham não acredita nisso. "Minha sensação é de que, na verdade, veremos a maior mudança da história, porque não acredito que a indignação vá passar. As pessoas estão exigindo uma postura real de transparência."

"Os políticos vão arrastar a situação o máximo possível, mas chegaremos lá em dois ou três anos."

Acho que teremos que esperar para ver.