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Música

Discos: Exercise One

"Meu, vai à confiança".

Tales Of Ordinary Madness

Exone

Todos temos um ou outro amigo, primo ou conhecido que um dia ficou preso no seu próprio tempo e que, quase em 2014, ainda usa a expressão "música de martelinhos". Any Way The Wind Blows de Tom Barman (sim, o tipo dos dEUS) retratou na exactidão este espécime social a dada cena no filme. Claro que perante esta perspectiva, o trabalho de trolhas sonoros como Ron Hardy, Jeff Mills ou Ricardo Villalobos escapam a alguns e alcançam outros, mas na arte em geral e na música em concreto, ganha quem consegue ter maior visão. Este será o exercício básico para explorar, sem receios, o pulsar digital desta máquina de programações frias e melodias hipnóticas que é Tales Of Ordinary Madness. O título traz pistas óbvias (além da referência a Bukowski, gente literária) e o conteúdo reserva a soundtrack ideal para uma noite a altas horas.

O poder da sugestão de imagens é uma ferramenta forte. Burial sabe disso, os Autechre também e os Exercise One acrescentam apontamentos a essa sabedoria suprema — o que não surpreende para quem anda nisto há cerca de uma década bem oleada. Não tendo minimamente o intuito de soar a algo nem sequer vagamente cinematográfico, emite no entanto suficiente material imagético para cada um criar cenários a seu bel prazer. Tirar proveito disto não será uma obrigação, mas sim um género de efeito colateral bastante fixe. Por outro lado, esta é uma versão de techno bem vibrante que apesar de fria e matemática na sua génese, inclui o nervo orgânico essencial a esse salto do mediano para o mais além.

Existem, pois, as habituais muralhas de som, assim como os padrões néon no sítio certo e à hora marcada; todavia o que acontece durante estes processos, já familiares, é digno de uma obra de pequena grande magia (preste-se atenção ao desenvolvimento assombroso do tema "Outshine"). Nos outros melhores momentos (como 'Verlooka') recordam os raios solares da dupla Apparat & Ellen Allien e um pouco adiante demonstram ainda domínio absoluto nos mais milagrosos crescendos dos últimos anos, neste caso meio arraçados de kraut, meio arrancados ao prog-house nórdico ("Gatium" é um tema-portal extra-dimensional, necessário a qualquer celebração que se preze). Sem se situar nos dois pólos extremos do techno anémico ou da rave multi-colorida, Tales Of Ordinary Madness desenrola-se com classe e mestria, tendo muito para oferecer a quem queira receber.

Por esta altura, o nosso amigo, primo ou conhecido teria sido tomado por uma inexplicável comichão só de imaginar o que por aqui vai. Apeteceria puxá-lo para nós, pela ponta da camisa, e segredar-lhe: "Meu, vai à confiança. Só andas de carrinho de choque se quiseres".